O primeiro sentido litúrgico da Semana Santa é celebrar os mistérios da nossa salvação, levados à plenitude nos últimos dias da vida de Jesus, desde a entrada triunfal em Jerusalém.

Este tempo, único em todo o ano litúrgico, é um progressivo descer no mistério da paixão e morte de Jesus, até os dias do Tríduo Pascal que inicia na noite da Quinta-feira Santa, com a Missa In Cena Domini, continua com a Sexta-feira Santa – o dia da morte de Jesus na cruz – e nos conduz através do silêncio do Sábado Santo, até a Vigília Pascal em que o anúncio da ressurreição ilumina e preenche todo o Domingo da Páscoa.

Este ano, ano da misericórdia, em que somos acompanhados pelo Evangelho de São Lucas, no amor que se debruça e abraça toda miséria humana, podemos buscar a luz que nos conduz através de cada momento deste tempo de graça que a Semana Santa nos oferece.

A misericórdia é a luz para entrar no coração de Jesus e viver com Ele os dramáticos momentos de uma escolha de amor sempre mais clara, firme, sem condições. Uma escolha pela qual estamos aqui, caminhando, ainda timidamente, atrás do Senhor para sermos transformados, pela misericórdia, em pessoas de misericórdia!

“Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor! Paz no Céu e glória nas alturas!” (Lc 19,38). O caminho da Semana Santa inicia no Domingo de Ramos: a misericórdia que entrou na nossa vida humildemente, como Jesus entra em Jerusalém, tem que ser proclamada: não podemos calar o amor que ampara nossa vida! mas quais são as palavras que falam realmente de misericórdia? Qual é o canto da misericórdia?

Nestes dias da Semana Santa a Liturgia nos oferece os quatro Cantos do Servo Sofredor, quatro textos do profeta Isaías que dão voz à misericórdia: a escolha do amor, da entrega confiante no meio do sofrimento, da perseguição e da violência. “Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos… A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores…” (Is 53,3-4).

Esta é a misericórdia que o caminho da cruz nos ensina a cantar no cotidiano da nossa vida. Enquanto mergulhamos nas situações difíceis de família, de trabalho, na Igreja, o refrão da misericórdia é a esperança firme no amor de Deus: “Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura, e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor” (Is 53,10).

O canto da misericórdia nasce de palavras verdadeiras que nos conduzem dentro do coração do Filho: “Desejei ardentemente comer convosco esta ceia pascal, antes de sofrer” (Lc 22,15). É um canto que deixa espaço ao silêncio, que faz memória do grande silêncio de Jesus que perpassará toda sua Paixão.

Um canto composto por gestos pequenos e importantes. Gestos de coragem e gestos proféticos. A misericórdia é a linguagem simples, de quem abre o coração sem medo, para deixar falar o amor até o fim… é a linguagem do lavar os pés: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8b) porque a fragilidade, a pequenez, a sujeira do outro não são mais barreiras, mas fazem parte da minha própria vida, fazem parte de um projeto que nos envolve todos.

A misericórdia é a última melodia que podemos ouvir. É o último olhar que podemos enxergar. É a última luz que pode dissipar as trevas que abafaram uma vida inteira: “ ‘Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado’. Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso.’ ” (Lc 23,42-43) …Por isso, a misericórdia é aquele dom que, mesmo se nós nunca saberemos, transformará a vida de quem nos machucou: “O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus, dizendo: ‘De fato! Este homem era justo!’ ” (Lc 23,47).

Quando tudo parece encerrado, quando humanamente não há mais esperança, quando parece que o túmulo engoliu pra sempre o corpo do nosso Mestre, o canto da misericórdia cria o canto novo da vida: “O nosso velho homem foi crucificado com Cristo, para que seja destruído o corpo de pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado… Assim, vós também considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo.” (Rm 6,6-11)

Sábado à noite estaremos reunidos fora da igreja para a Vigília Pascal, a pequena luz do círio dará início à mais solene liturgia do ano inteiro, a mais solene liturgia que já houve na história, e a misericórdia nos chamará a acreditar nisso, nos chamará a dar o nosso “sim” ao Senhor, para que nesta fé nossas vidas sejam transformadas desde já pela ressurreição que nos aguarda.